O anúncio da revisão do
programa Bolsa Família, que poderia levar ao desligamento de pelo menos
10% dos beneficiários, divide a opinião de especialistas. Enquanto
alguns veem na medida apenas uma prática corriqueira em qualquer
programa social, outros apontam um cunho político nas alterações
propostas.
O novo ministro do
Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, anunciou na última
semana um pente-fino no Bolsa Família – menina dos olhos dos governos do
PT. Atualmente, 14 milhões de famílias recebem o benefício. A proposta
do governo interino é fazer um cruzamento de diferentes bases de dados
disponíveis, com o objetivo de checar se todos os inscritos cumprem, de
fato, as condições de baixa renda e as contrapartidas exigidas. Estudos
indicam que 10% não se enquadrariam mais nos critérios; mas, segundo o
ministro, esse percentual poderia chegar a 30%.
"Acho que o processo de aprimoramento dos programas sociais é sempre
algo bem-vindo. Minha leitura é de que não vai haver corte, mas um
pente-fino mesmo, um cruzamento com outros bancos de dados para refinar o
perfil dos beneficiários, coisa que já foi feita em outros lugares,
inclusive no Rio de Janeiro", explica o economista Marcelo Neri, diretor
do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas.
O
economista – que já foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos
Estratégicos (SAE) do governo e presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) – ressalta, no entanto, que o Bolsa Família é
um dos melhores programas sociais já implementados, responsável por 20%
da redução da desigualdade no país desde 2001. A vantagem do programa,
segundo o economista, é que ele custa pouco (menos de 0,6% do PIB) e é
muito eficiente.
"É o programa social mais eficiente que temos"
Um estudo do Ipea mostra que o
programa estimula a economia do país por meio do aumento do consumo na
camada mais pobre da população. Para cada R$ 1 aplicado pelo governo no
programa de transferência de renda há um aumento de R$ 1,78 do PIB.
"O
dinheiro do Bolsa Família é fundamental ponto de vista econômico,
porque ele é gasto na periferia, fazendo o comércio local girar",
explica o presidente do Instituto Data Popular, Renato Meirelles. Os
números mostram que o programa reduz a taxa de natalidade, a mortalidade
infantil e a evasão escolar, pois condiciona o recebimento do benefício
a uma série de fatores, como a vacinação das crianças e a frequência
escolar.
"Não é uma
revolução, mas é o programa social mais eficiente que temos", afirma
Neri. "Agora, o que me parece é que no calor do debate, com o
acirramento da polarização política, está havendo muito ruído na
comunicação. Muitas pessoas estão olhando para o Bolsa Família como se
ele fosse um problema, quando, na verdade, ele é parte da solução. Ele
reduz a pobreza muito mais do que qualquer outra medida; é 400% mais
eficiente do que o aumento do salário mínimo ou das aposentadorias, por
exemplo; não é pouca coisa." Isso ocorre porque o Bolsa Família alcança
uma parcela muito pobre da população que, em geral, vive de subempregos e
não é contemplada nem com o salário mínimo nem com a aposentadoria.
Instrumentalização política
Para
o professor de economia da PUC-RJ José Márcio Camargo, a reavaliação do
cadastro vem sendo feita desde a implementação do programa e não
significa que ele será reduzido. Camargo vê um uso político das críticas
à reavaliação do perfil dos beneficiários.
"Os
ânimos estão exaltados, e o governo (do PT) está tentando usar
politicamente qualquer coisa que possa tornar o novo governo de Michel
Temer mais difícil. Então, na minha opinião, essa propalada redução do
programa tem um componente político."
Camargo
frisa ainda que reduzir significativamente o programa com o intuito de
economizar verbas não seria eficiente, uma vez que o Bolsa Família gasta
poucos recursos e de forma bastante focalizada na parcela mais pobre da
população.
Mudança de enfoque
Já
o presidente do Instituto Data Popular vê uma mudança de perspectiva
sobre o programa no governo interino de Michel Temer. "Pelas declarações
dadas, me parece que o atual governo tem uma visão do Bolsa Família
como um programa assistencial, que garanta apenas que ninguém passe
fome, enquanto que o governo anterior o via como um programa de
inclusão, com o objetivo de manter as crianças na escola e construir um
país melhor", sustenta Renato Meirelles. "Se o programa é visto
meramente como assistencial, a redução faz algum sentido."
Para
Meirelles, a verdadeira questão por trás da discussão é quem vai pagar a
conta do ajuste fiscal que precisa ser feito para botar a economia em
ordem e fazer o país voltar a crescer: os que têm mais dinheiro ou os
que têm menos dinheiro.
"As
decisões sobre como e onde cortar vão refletir essa escolha. Cortando do
Bolsa Família, vai tirar pessoas lá da base da pirâmide, cujos filhos
estão estudando graças ao benefício. Mesmo que dê certo, que o país
volte a crescer, vamos ter mais crianças analfabetas. Então, na minha
opinião, esses cortes não podem ser feitos às custas do futuro. O
aumento da escolaridade é um sinalizador imediato do futuro que vamos
ter."
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