O hacker que, no início de
abril, clonou o celular de Marcela Temer e chantageou sua família com a
ameaça de divulgar fotos íntimas dela afirmou à polícia que, num
primeiro momento, não sabia que sua vítima era a mulher do então
vice-presidente da República. Em depoimento a que VEJA teve acesso,
Silvonei José de Jesus Souza, de 35 anos, contou que pinçou o nome de
Marcela de um HD pirata que continha dados pessoais de assinantes de um
portal da internet. Ele confessou que, depois de invadir os arquivos da
hoje primeira-dama, extorquiu 15 000 reais do irmão dela, Karlo
Tedeschi. Disse ainda que, ao saber quem era Marcela, tentou avançar na
extorsão e obter mais 300 000 reais. Souza foi detido no último dia 11
em Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo, em uma operação de cinema, que
envolveu quarenta agentes à paisana em onze carros. Ele está preso na
carceragem da Divisão Antissequestro e deve ser indiciado por extorsão. O
caso corre sob sigilo de Justiça.
O
hacker disse que teve acesso a fotos de Marcela quando explorava
aleatoriamente os arquivos do HD pirata, que ele adquiriu no bairro
paulista de Santa Efigênia, reduto de comércio de eletrônicos. De posse
de agenda de contatos de Marcela, clonou seu celular e escreveu a Karlo
Tedeschi fingindo ser a primeira-dama. Na mensagem, a falsa Marcela
dizia ao irmão estar sendo chantageada por um hacker que teria em seu
poder duas fotos íntimas dela e pedia que depositasse 15 000 reais em
uma conta bancária para que o bandido não divulgasse o material. Karlo
Tedeschi caiu no trote e fez o depósito dos 15 000 reais no dia
seguinte.
Duas semanas
depois, ao saber que sua vítima era a mulher do então vice-presidente
da República, Souza decidiu partir para um ataque mais ambicioso. Passou
a ouvir todas as mensagens de áudio do celular de Marcela armazenadas
em sua conta no WhatsApp. Selecionou trechos que julgou comprometedores
e, desta vez, procurou a própria Marcela, de quem exigiu 300 000 reais
sob pena de divulgar uma mensagem em que ela dava conselhos políticos ao
irmão. Karlo Tedeschi é filiado ao PSDC e está em pré-campanha para
vereador no município de Paulínia, berço da família Tedeschi. Nesse
momento, quando Souza abordou Marcela, o impeachment de Dilma Rousseff
estava prestes a ser votado no Senado, e Temer já começava a montar seu
ministério.
Em uma das
viagens que fez a São Paulo, no fim de abril, o vice teve um encontro
reservado com o então secretário de Segurança Pública do estado,
Alexandre de Moraes - que acaba de tomar posse como titular do
Ministério da Justiça. No encontro, Temer contou o que estava ocorrendo e
pediu que prendessem o hacker chantagista o mais rápido possível.
Moraes recrutou policiais de estrita confiança no Departamento de
Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e determinou que a operação fosse
conduzida pelo delegado especial Rafael Correa em absoluto sigilo.
Na
manhã do último dia 11, quando a mulher de Souza se dirigia a uma
creche em Heliópolis onde diariamente deixa seus filhos, foi
surpreendida por um vasto cerco policial. Detida, ela conseguiu enviar
uma mensagem ao celular do marido, avisando que a polícia estava no seu
encalço. Souza, então, sem saber que seu telefone já estava sendo
monitorado, ligou para um advogado amigo. A ligação permitiu que a
polícia o localizasse e o hacker foi preso logo depois da mulher, ainda
nas proximidades de seu apartamento. A polícia prendeu outros dois
homens, um deles dono da conta bancária que recebeu os 15 000 reais
depositados pelo irmão de Marcela. À exceção do hacker, os detidos já
estão em liberdade. A investigação encontra-se agora no Departamento de
Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo), nas mãos do
coordenador da divisão, o juiz corregedor Antonio Maria Patiño Zorz. De
lá, a peça será encaminhada ao Ministério Público, onde poderá ser
oferecida como denúncia à Justiça ou arquivada. O promotor que pegar o
caso pode ainda achar que faltam provas suficientes para transformar o
hacker em réu e pedir novas diligências.
Um
dos envolvidos na operação relatou a VEJA que os investigadores
chegaram a cogitar a possibilidade de que por trás da ação do hacker
estivesse uma organização partidária interessada em causar danos
políticos a Temer. Nada encontraram nesse sentido. "Vasculharam a vida
dele (Souza) de cabo a rabo. Quando o prenderam, sabiam desde a
data de nascimento da sua mãe até o dia do falecimento da sua avó." Os
cuidados para manter total sigilo sobre a investigação incluíram até
mesmo a omissão do nome dos envolvidos nas principais peças do inquérito
policial.
No depoimento dado
por Souza, por exemplo, todos os nomes que ele citou foram substituídos
por codinomes. Quando o hacker fazia menção a Marcela, o escrivão
registrava "Mike". Quando o hacker se referia a ele próprio, o nome que
ia para os autos era "Tim". Karlo, o irmão da primeira-dama, virou
"Kilo".
Segundo consta no
depoimento do hacker, as fotos íntimas apenas mostravam a primeira-dama
de lingerie. Não é nada devastador, mas só exibicionistas não se
incomodam em ter sua intimidade exposta dessa forma. O trecho do áudio,
no entanto, é intrigante porque não parece justificar uma chantagem. No
depoimento, o hacker diz que a gravação mostraria Marcela dizendo ao
irmão que ele precisa "fazer como Michel, se aproximar dos pobres". Fica
difícil entender o motivo pelo qual uma frase tão inofensiva como essa -
ou melhor, até elogiosa - poderia ser usada contra alguém. Um
participante do episódio mencionou a VEJA uma mensagem de conteúdo
diferente, mas essa versão não consta nos autos.
Os
áudios usados por Souza para extorquir Marcela Temer dificilmente virão
a público. Mesmo que a Justiça decida na próxima semana suspender o
sigilo do caso, o que é praxe ao término das investigações, é provável
que os advogados de Marcela peçam a destruição das provas, incluindo
fotos e áudios. Esse tipo de pedido costuma ser aceito pelos juízes, já
que, em casos como esse, o que se julga é a prática de extorsão, e não o
objeto dela. A medida é justa. Afinal, Marcela e seus familiares são
vítimas e não precisam passar por novos constrangimentos.
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