Em 2017, o Brasil pode passar pela mais amarga reforma da previdência social
em sua história. As medidas, entre as quais aumento da idade mínima
para 65 anos e tempo de contribuição mínimo de 15 para 25 anos, já se
revelam impopulares. Mas o governo as defende e argumenta que são
necessárias para que o sistema seja sustentável.
Ocorre
que essa mesma novela já foi vista em outros lugares, apenas com outros
personagens e em outras línguas. No mundo inteiro, os sistemas de
previdência tradicionais passaram a ser reformados a partir dos anos
1980 – a maior parte das vezes com medidas pouco agradáveis para os
beneficiários. O motivo alegado para isso foi quase sempre o mesmo:
sistemas que antigamente contavam com grande população jovem e pequena
população idosa de repente sofreram com o envelhecimento da população.
Com mais aposentados e menos trabalhadores ativos, ficava difícil manter
o equilíbrio nas contas.
Abaixo, você verá cinco exemplos de países que tiveram que aplicar remédios amargos ao sistema previdenciário, cada
um a seu modo. Em geral, as reformas foram duras, por isso medidas
benéficas para os contribuintes foram raras – apesar de que existiram.
Uma observação importante: ao apresentar esses países, não pretendemos
defender que o Brasil precisa de uma reforma, nem que precisa tomar
medidas semelhantes à de qualquer um deles. O objetivo é apresentar as
soluções encontradas em outros países.
Para comparar esses países com a situação da previdência brasileira, veja estes posts:
PRIMEIRO, O QUE É REPARTIÇÃO E CAPITALIZAÇÃO?
Antes de passarmos aos casos, é importante entender o principal modelo de previdência social do mundo, o sistema de repartição, e seu oposto, o sistema de capitalização.
No modelo de repartição, as contribuições dos trabalhadores ativos
pagam os benefícios dos aposentados e pensionistas. É como funciona a
previdência no Brasil e na maior parte dos países ainda hoje.
Mas existe outro tipo de sistema previdenciário, que opera com outra lógica: o sistema de capitalização.
A capitalização é baseada em poupanças individuais. Cada trabalhador
poupa recursos, que são guardados em uma conta própria. Na hora da
aposentadoria, o trabalhador conta apenas com os recursos que ele mesmo
guardou enquanto trabalhava.
Como explica o portal Por quê?,
a transição de um sistema de repartição para um de capitalização não é
fácil. Isso porque os aposentados do regime de repartição, que não
tinham contas individuais, continuam a existir e seus benefícios
continuam a ser pagos. Se a capitalização é instaurada de uma hora para
outra, o governo não pode mais pagar os benefícios desses aposentados
com as contribuições dos trabalhadores. Estas passam a ficar
guardadas nas contas individuais. Ou seja, falta recurso para continuar a
bancar o regime anterior. Por isso, os governos que mantêm previdências
de repartição normalmente buscam outras medidas para resolver os
problemas de sustentabilidade. O mais comum é o endurecimento das regras
do sistema.
Todos os países apresentados a seguir possuem sistemas de repartição,
semelhantes ao brasileiro. Assim, é possível fazer comparações com o
Brasil – apesar de que a população idosa é proporcionalmente maior
naqueles países do que por aqui.
FRANÇA
Anos das reformas: 2010 e 2013
Principais mudanças:
- Idade mínima para aposentadoria: aumentou de 60 para 62 anos (2010);
- Idade para aposentadoria integral: 65 para 67 anos (2010);
- Tempo de contribuição mínimo: aumento gradual até 43 anos em 2035 (2013).
Expectativa de vida: 82,37 anos (2014).
O sistema previdenciário francês funciona no modelo de repartição (contribuições dos trabalhadores financiam benefícios dos aposentados e pensionistas) com contribuições compulsórias do empregado (6,75% do salário de benefício) e do empregador (8,4%
do salário de benefício e mais 1,6% sobre o restante do salário). Além
do sistema público, a maior parte dos empregados também adere a um sistema complementar compulsório, ligado à classe profissional do trabalhador. De acordo com Sergio Guimarães Ferreira, pesquisador do BNDES, o
sistema francês pode ser classificado como “generoso”, uma vez que
possui alta taxa de reposição salarial (o valor do benefício costuma
ser cerca de 70% do salário).
Desde
1993, estão em curso reformas na previdência francesa. As mudanças mais
recentes datam de 2013, quando o presidente François Hollande aumentou o
tempo de contribuição mínimo para 43 anos. Já a idade mínima para se
aposentar foi aumentada para 62 anos em 2010, pelo então presidente
Nicolas Sarkozy. A regra vale apenas para os nascidos a partir de 1955.
Além disso, Sarkozy aumentou a idade para receber aposentadoria integral
de 65 para 67 anos.
O
motivo para as reformas na França são semelhantes aos alegados no
Brasil: o sistema registra déficits ano após ano. Em 2010, o rombo da
previdência francesa era de 32 bilhões de euros, segundo o Estado de São
Paulo. Já em 2013, de acordo com a agência Reuters, ainda se projetava
um déficit de 20 bilhões de euros até 2020, se uma nova reforma não
fosse feita naquele momento.
Mudanças previdenciárias
sempre enfrentaram forte rejeição popular na França. É por isso que
três tentativas de reforma fracassaram, em 1995, 2003 e 2007. Em 2010,
as oito maiores centrais sindicais francesas eram contrárias à reforma
proposta por Sarkozy. Entre março e outubro daquele ano, houve pelo
menos onze dias de manifestações em todo o país. As estimativas mais
conservadoras foram de cerca de 1 milhão de manifestantes em todos os
dias de protestos.
Hoje,
segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), a
França gasta 13,8% de seu produto interno bruto (PIB) em benefícios
previdenciários, acima da média dos países da organização (7,9% do PIB).
Para efeito de comparação, a previdência social brasileira custa 7,4%
do PIB, segundo a OCDE. A diferença está na proporção de idosos na
população: eles são apenas 8% entre brasileiros, enquanto são 18,3% dos
franceses.
ALEMANHA
Anos das reformas: 1992, 2007 e 2014
Principais mudanças:
- Idade mínima para aposentar: aumento de 65 anos para 67 até 2029 (2007);
- Convergência da idade mínima de mulheres e homens (anos 1990).
Expectativa de vida: 80,84 anos (2014).
A
previdência social alemã foi a primeira a ser criada na história, em
1889, obra do chanceler Otto von Bismarck. Inicialmente, a idade mínima
era de 70 anos, mas passou para 65 anos em 1916 e assim permaneceu por
muitas décadas. Até hoje, o sistema adota o modelo de repartição.
O
sistema previdenciário público recebe contribuições de empregados e
empregadores (cada classe contribui com o mesmo valor), que juntas
equivalem a 18,7% do salário bruto. Ainda existem outros dois sistemas
complementares: planos privados mantidos pelas empresas para seus
empregados e planos privados individuais. De acordo com o estudo de
Ferreira, a Alemanha também possui alta taxa de reposição (cerca de 72%)
e regras benevolentes para a concessão de benefícios.
A
partir de 1992, o governo alemão iniciou mudanças para manter o sistema
sustentável. A idade mínima para aposentadoria das mulheres foi
progressivamente igualada à dos homens ao longo dos anos seguintes. A
reforma mais significativa, de 2007, estabeleceu um aumento gradual da
idade mínima, que em 2029 passará a ser de 67 anos.
Mas
outra reforma, feita em 2014, foi positiva para alguns beneficiários.
Entre várias medidas, foi permitida aposentadoria aos 63 anos para
trabalhadores que contribuíram por pelo menos 45 anos – a regra valeu
apenas para os nascidos em 1951 e 1952. Essa reforma também contemplou
mães que tiveram filhos antes de 1992: elas puderam registrar até dois
anos a mais em seu tempo de contribuição – dos períodos em que estiveram
afastadas por licença maternidade – o que aumentou o valor de seus
benefícios.
Hoje,
segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), a
Alemanha gasta 10,6% do produto interno bruto (PIB) em benefícios
previdenciários, acima da média dos países da organização. 21,4% da
população do país tem mais de 65 anos de idade.
GRÉCIA
Anos das reformas: 2010, 2012 e 2016
Principais mudanças:
- Aumento da idade mínima: 60 anos para mulheres e 65 para homens para 67 (ambos);
- Aumento do tempo de contribuição para aposentadoria integral: de 35 para 40 anos;
Expectativa de vida: 81,28 anos (2014).
Os
esforços da Grécia em reformar as regras previdenciárias começaram em
2010. O país enfrenta sérios problemas com a dívida pública, que
chegou a 176% do PIB em 2015.
Na avaliação de muitos economistas, isso tem relação com a evolução dos
benefícios previdenciários. Segundo reportagem da revista The Economist,
os gregos se aposentavam em média com 35 anos de contribuição e 58 anos
de idade. Regimes especiais para diferentes categorias profissionais
também colaboravam para aprofundar o problema previdenciário. Um
benefício mínimo era garantido a todos que contribuíssem por pelo menos
15 anos (como ocorre hoje no Brasil).
Isso
passou a mudar em 2012, quando a idade de aposentadoria passou a ser de
67 anos, com contribuição mínima de 40 anos para benefício integral.
Houve também convergência da idade mínima das mulheres com a dos homens.
Aqueles que se aposentam antes dos 67 anos sem completar o tempo de
contribuição de 40 anos têm o benefício reduzido.
Com
20,2% da população com mais de 65 anos, a Grécia gasta 14,6% do produto
interno bruto (PIB) em benefícios previdenciários, bem acima da média
dos países da OCDE.
SUÉCIA
Anos da reforma: 1994 e 1998;
Principais mudanças: introdução de contas individuais nocionais e alterações no cálculo dos benefícios;
Expectativa de vida: 81,96 anos (2014).
Entre
todos os países citados neste post, a reforma da previdência sueca foi
a mais diferente, porque não se focou apenas nas medidas tradicionais,
como aumentar o tempo de contribuição ou a idade mínima. Nos anos 1990, o
país viu piorar as contas da previdência, que chegou a um déficit 2,5
vezes seu próprio PIB. Para resolver o problema, mudou
significativamente a forma de cálculo do benefício de cada contribuinte,
em 1998.
De acordo com Sérgio Ferreira, foram criadas contas individuais nocionais para
cada contribuinte. Essas contas na realidade são fictícias, uma vez
que não possuem lastro em ativos reais. Tudo que elas fazem é imitar a estrutura de um esquema de capitalização –
em que cada um tem sua própria conta. Nas contas nocionais, o dinheiro
das contribuições do cidadão rende juros – também fictícios. Esses juros
são baseados na taxa de crescimento do salário médio. No cálculo do
benefício, dividem-se as contribuições acumuladas e os supostos
rendimentos pela expectativa de sobrevida do indivíduo na idade que se aposenta – que é no mínimo 61 anos.
As contas nacionais suecas funcionam quase como poupanças individuais. Mas, na prática, as contribuições dos trabalhadores de hoje continuam a financiar os benefícios de hoje,
assim como acontece no Brasil e em boa parte dos países. É por isso que
as contas nocionais são fictícias – são nada mais do que um cálculo
prévio do valor do benefício futuro.
Segundo
Ferreira, o sistema sueco possui algumas vantagens sobre os sistemas de
repartição tradicionais, bem como de sistemas de capitalização:
- Os ajustes dos benefícios são feitos automaticamente, a partir de dados estruturais da economia e da população;
- Existe uma ligação maior entre contribuição e benefício do que em regimes de repartição clássicos. O cálculo do benefício baseia-se tanto nas contribuições feitas, quanto em dados da economia, evitando distorções;
- Os recursos ficam protegidos das flutuações de mercado existentes em sistemas de capitalização clássicos;
- A taxa de administração do sistema sueco é menor do que em um sistema de capitalização tradicional – justamente porque as contas e a taxa de juros são apenas nocionais.
Hoje,
segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), a
Suécia gasta 7,4% do produto interno bruto (PIB) em benefícios
previdenciários, um pouco abaixo da média dos países da organização
(7,9% do PIB). 20%, ou um em cada cinco suecos, possui mais de 65 anos
de idade.
JAPÃO
Anos das reformas: 1994, 2000 e 2016
Principais mudanças:
- Idade mínima:
- 1994: 60 para 65 anos (pensão básica);
- 2000: aumento gradual de 60 para 65 anos, entre 2013 e 2025 (pensão de empregado).
- Benefícios:
- 1994: base de cálculo passou a ser salário líquido (para pensão básica);
- 2000: redução de 5% do valor do benefício (pensão dos empregados).
- Tempo mínimo de contribuição (2016): redução de 25 anos para 10 anos, a partir de 2017.
Expectativa de vida: 83,7 anos (2016).
Um
dos países asiáticos mais desenvolvidos, o Japão também tem uma grande
população idosa. Já em 1994, o governo japonês tinha dificuldades em
pagar benefícios previdenciários, na época equivalentes a 17,9% do PIB.
Por isso, passou a promover reformas.
O sistema previdenciário japonês é dividido em duas partes: (i) a pensão básica (kiso nenkin), para a qual todos os maiores de 20 anos – empregados ou não – devem contribuir; e (ii) o seguro de pensão do empregado (kousei nenkin),
com contribuições descontadas do salário dos trabalhadores (8,5%). Para
receber pensão básica, é preciso ter no mínimo 65 anos de idade e 25
anos de contribuição. Já para a pensão dos empregados, é preciso ter
pelo menos 60 anos e 25 anos de contribuição.
O
valor da pensão de trabalhadores é calculado a partir de uma média do
salário ao longo da carreira. Considera-se também a idade do segurado e o
tempo de contribuição. Recebem pensão integral apenas os que
contribuíram por no mínimo 40 anos.
A
primeira reforma previdenciária japonesa ocorreu em 1994, quando o
governo aumentou a idade mínima para a pensão básica de 60 para 65 anos,
além de alterar a base de cálculo do benefício básico. Depois, em 2000,
foi a vez de alterar o seguro dos empregados: houve redução de 5% do
valor dos benefícios e estabeleceu-se um aumento gradual na idade mínima
para aposentadoria, de 60 para 65 anos, iniciado em 2013.
O que chama atenção, porém, é que em 2016, o governo do Japão tomou uma decisão generosa com a população. Segundo o portal Mundo Nipo, o parlamento japonês aprovou uma lei que reduz o tempo mínimo de contribuição de 25 para apenas 10 anos. A nova regra vale para segurados de ambos os sistemas de pensão.
A
medida beneficiará mais de 600 mil idosos japoneses que não conseguiram
cumprir os 25 anos de contribuição e, por isso, não recebiam
aposentadoria. Mas quem se aposentar com contribuição de 10 anos
receberá uma quantia de 16 mil ienes, o que equivale a algo próximo a R$
500. Até 2016, a aposentadoria mínima – com 25 anos de contribuição –
era de 40 mil ienes, ou R$ 1.220.
Hoje,
segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), o
Japão gasta 10,2% do produto interno bruto (PIB) em benefícios
previdenciários, acima da média dos países da organização. 26,4% dos
japoneses já passaram dos 65 anos de idade.
O QUE AS EXPERIÊNCIAS DESSES PAÍSES MOSTRAM?
Diferentes
saídas foram encontradas para a questão previdenciária mundo afora. A
maior parte tem apostado em dificultar o acesso aos benefícios,
aumentando a idade mínima, diminuindo o valor dos benefícios, entre
outras ações. A Suécia – e outros países, como Itália e
Polônia, introduziram contas nocionais, que também endurecem as
condições de aposentadoria, mas utilizando artifícios diferentes. Cabe
agora ao Brasil observar as experiências de fora e decidir como encarar a
questão previdenciária.
Para resumir os números apresentados, preparamos este infográfico:
Fontes:
Sérgio Guimarães Ferreira: sistemas previdenciários de países industrializados – Nicholas Barr: previdência na Suécia – OCDE: relatório “Pensions at a Glance 2015” – Mundo Nipo: reforma diminui tempo de contribuição no Japão – Estado de São Paulo: reforma da previdência na França – O Globo: previdência na França e outros países – Reuters: reforma na Alemanha – The Economist: previdência na Alemanha – The Economist: previdência na Grécia – The Economist: reforma previdenciária grega em 2016
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