Oswaldo José saiu da
Venezuela por conta da perseguição política e ameaças a sua vida e de
sua família; agora o venezuelano se apresenta em praças tocando harpa e
violão (Foto: Nilzete Franco)
Por Paola Carvalho
Em 12/09/2017 às 01:25
Fugindo da perseguição política por causa de suas sentenças, o
magistrado encontrou na música a maneira de ganhar dinheiro
Por conta da severa
crise econômica enfrentada pela Venezuela, Roraima consequentemente se
tornou a terra da oportunidade para muitos estrangeiros buscando por uma
melhor qualidade de vida. Embora a maioria venha para Boa Vista em
busca de trabalho e sustento para família, esse não é o principal motivo
da vinda do venezuelano Oswaldo José Ponce Peres, de 51 anos, para o
Brasil.
Trabalhando como juiz federal, com
atuação na Vara Criminal, o estrangeiro foi vítima de perseguição
política no país vizinho e há dois anos e meio buscou ajuda no Brasil.
“Muitas decisões minhas iam de encontro a muitas pessoas no governo.
Graças a Deus que o presidente [Nicolás Maduro] e os mais poderosos não
mexeram comigo, mas as pessoas que estavam ao seu redor queriam me
atingir”, afirmou.
Ele contou que tentaram suborná-lo:
“Tentaram me comprar e não conseguiram, então as coisas começaram a se
agravar. Me ligavam, me ameaçavam, cercavam meus filhos na rua, tocaram
fogo no meu carro. Chegou o momento que eu não poderia ficar mais lá,
pois o próximo passo seria um atentado contra a minha vida. Tive que
sair de lá com urgência, praticamente com a roupa do corpo. Ainda
consegui vender alguns bens, mas o dinheiro que consegui, que era muito
na Venezuela, não valia quase nada aqui”.
De lá para cá, o juiz procurou entrar
com o pedido de asilo político para si, os três filhos e a neta, além da
documentação necessária para permanecer no país e eventualmente voltar a
trabalhar na área. Porém, nesse meio tempo, Oswaldo foi vítima
novamente, desta vez, de uma máfia que reunia estrangeiros
recém-chegados no Brasil para trabalho escravo.
“Falaram bonito, disseram do salário,
que ia receber R$ 50 por dia, com alimentação e hospedagem. Na
realidade, eu trabalhava das seis da manhã até as oito da noite, com uma
pausa às quatro da tarde para almoçar e era a única refeição do dia,
sempre a mesma coisa todos os dias. Apreenderam meu documento. Começaram
a não pagar, alegando que a situação estava difícil. Fiquei nessa
situação por três meses”, frisou.
Apesar de ter esclarecimento sobre a
situação de um trabalho escravo, o juiz disse que a mudança brusca de
realidade atrapalhou a avaliação do problema naquele momento. “Era como
um pesadelo. Como um sonho, quando a gente acaba de acordar e ainda
precisa de alguns minutos para entender o que está acontecendo, a se
incorporar a sua realidade. Quando me dei conta da situação, vi que eu
estava sendo feito de escravo. Tentei sair, me disseram que eu não tinha
direito de nada e que o trabalho era para pagar a casa que eu estava
hospedado. Felizmente, eu consegui sair, denunciei no Ministério do
Trabalho e houve a fiscalização. Agora as ações estão correndo na
Justiça”, completou.
ARTISTA DE RUA – Por
conta do trauma que viveu, Oswaldo recorreu à música para se alegrar.
Ele é formado em violão clássico e toca o instrumento há 37 anos e harpa
há 26 anos. “Quando eu visitava a casa de um amigo, sempre tocava
violão. Um dia levei a harpa e vi como aquilo encantava as pessoas.
Comecei a tocar nas praças e nas ruas e agora eu também toco em
aniversário, festas. Saio de noite com a bicicleta e levo os
instrumentos. Apesar de ser temporário, eu faço com alegria. Não é
fácil, mas com esse trabalho eu dou alegria para as pessoas”, comemorou.
Agora a vida de Oswaldo mudou de carros
importados, com uma casa com piscina e fazenda com gados para uma
bicicleta e um condomínio, onde mora com a filha caçula, de 13 anos.
Apesar das dificuldades, o estrangeiro faz tudo com um sorriso no
rosto.“Eu tinha a possibilidade de conhecer outros países, mas sempre
gostei do Brasil. Além disso, eu estou muito perto da minha pátria. Eu
não esqueço o meu país. Os meus próximos planos são validar meu diploma,
fazer a prova da Ordem dos Advogados (OAB) e quem sabe voltar a ser
juiz. Para mim essa é uma forma de agradecer o que o Brasil fez por
mim”, disse.
Oswaldo avalia que depois que a crise
acabar na Venezuela muitas pessoas vão querer voltar para casa. “Eu
também vou querer voltar, mas quero ter meu espaço aqui também. Quem
sabe um dia ter duas nacionalidades e ter orgulho de ter essas duas
nacionalidades. Eu considero uma ingratidão, eu virar as costas para
esse país que me abriu as portas, me cedeu sua terra. Quero expressar
minha gratidão desse jeito”, pontuou. (P.C)
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