sábado, 30 de junho de 2018

Dias Toffoli foi conselheiro de Zé Dirceu na Casa Civil: O professor tem razão. Parece ser uma questão de (falta de) caráter.


Por Raquel Landim
Jornalista formada pela USP, escreve sobre economia e política.
O petista José Dirceu está lançando o primeiro volume de sua autobiografia. Graças à ajuda do ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), vai autografar o livro em liberdade.
Na terça-feira (26), Toffoli propôs libertar Dirceu, condenado em segunda instância a 30 anos e 9 meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator.
Toffoli foi indicado pelo ex-presidente Lula para o STF em setembro de 2009, quando era advogado geral da União, e sua ligação com Dirceu é amplamente conhecida. Ele foi assessor jurídico da liderança do PT na Câmara de 1995 a 2000, época em que Dirceu era deputado federal e uma das estrelas do partido.
Quando o PT chegou ao poder, Toffoli assumiu a sub-chefia de assuntos jurídicos da Casa Civil, comandada por Dirceu. Ficou no cargo de janeiro de 2003 até julho de 2005, quando seu chefe deixou o governo suspeito de envolvimento com o mensalão. Diante desses fatos, é quase óbvio que Toffoli deveria ter se declarado impedido de julgar o caso de Dirceu, mas a lei não funciona bem assim.
No código do processo penal brasileiro, os artigos 251 a 256 versam sobre quando um juiz deve se declarar impedido ou suspeito. Os casos de impedimento são objetivos —um juiz não pode decidir sobre o destino de um parente, um cônjuge, ou atuar num caso onde já tenha sido promotor ou defensor.
A suspeição, no entanto, é bastante relativa. Diz a lei que um juiz deve ser declarar suspeito se o acusado for um amigo íntimo, um inimigo capital, um credor ou devedor, um sócio, um tutor ou curador, ou mesmo alguém que já tenha aconselhado. Dirceu pode ser considerado “amigo íntimo” ou “tutor” de Toffoli? Em suas atribuições na Câmara e na Casa Civil, Toffoli aconselhava Dirceu?
Tudo indica que sim, mas o ministro entende que não. Ele, inclusive, não se considerou impedido de julgar nem mesmo o processo do mensalão, no qual votou pela absolvição de Dirceu. O que nos leva a outra pergunta: a decisão sobre impedimento ou suspeição depende exclusivamente do próprio juiz? Em teoria, não, mas, na prática, sim.
Levantamento do projeto “Supremo em Pauta”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que, nos últimos 30 anos, as partes envolvidas num processo solicitaram cerca de 90 vezes a suspeição ou impedimento de um juiz do STF – um número ínfimo comparado com os mais de 120 mil processos julgados pelo STF apenas em 2017.
E, mesmo quando isso foi feito, não chegou-se as vias de fato, ou seja, um presidente do STF nunca colocou em votação no plenário a suspeição ou o impedimento de um colega. Por quê? Será que é algum tipo de proteção mútua? Vale lembrar que Gilmar Mendes também não se considerou impedido de julgar o habeas corpus para a libertação do empresário de ônibus Jacob Barata, apesar de ter sido padrinho de casamento da filha dele.
O professor Rubens Glezer, coordenador do “Supremo em Pauta”, tem dúvidas se seria eficaz mudar a legislação. Segundo ele, a lei sobre suspeição ou impedimento foi criada para proteger o Judiciário, dando ao juiz a prerrogativa de se declarar suspeito sempre que houvesse qualquer risco à imagem dos tribunais. Os ministros do STF, no entanto, se comportam como se fosse uma questão de foro íntimo em que bastasse o seu compromisso pessoal de integridade.
“Nestes casos, é necessário um mínimo de boa fé. Não é um problema das instituições, mas dos atores”, diz Gleser. O professor tem razão. Parece ser uma questão de (falta de) caráter.

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