Por Raquel Landim
Jornalista formada pela USP, escreve sobre economia e política.
O petista José Dirceu está
lançando o primeiro volume de sua autobiografia. Graças à ajuda do
ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), vai autografar
o livro em liberdade.
Na terça-feira (26), Toffoli propôs libertar
Dirceu, condenado em segunda instância a 30 anos e 9 meses de prisão por
corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Gilmar
Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator.
Toffoli foi indicado pelo ex-presidente Lula para
o STF em setembro de 2009, quando era advogado geral da União, e sua
ligação com Dirceu é amplamente conhecida. Ele foi assessor jurídico da
liderança do PT na Câmara de 1995 a 2000, época em que Dirceu era
deputado federal e uma das estrelas do partido.
Quando o PT chegou ao poder, Toffoli assumiu a
sub-chefia de assuntos jurídicos da Casa Civil, comandada por Dirceu.
Ficou no cargo de janeiro de 2003 até julho de 2005, quando seu chefe
deixou o governo suspeito de envolvimento com o mensalão. Diante desses
fatos, é quase óbvio que Toffoli deveria ter se declarado impedido de
julgar o caso de Dirceu, mas a lei não funciona bem assim.
No código do processo penal brasileiro, os
artigos 251 a 256 versam sobre quando um juiz deve se declarar impedido
ou suspeito. Os casos de impedimento são objetivos —um juiz não pode
decidir sobre o destino de um parente, um cônjuge, ou atuar num caso
onde já tenha sido promotor ou defensor.
A suspeição, no entanto, é bastante relativa. Diz
a lei que um juiz deve ser declarar suspeito se o acusado for um amigo
íntimo, um inimigo capital, um credor ou devedor, um sócio, um tutor ou
curador, ou mesmo alguém que já tenha aconselhado. Dirceu pode ser
considerado “amigo íntimo” ou “tutor” de Toffoli? Em suas atribuições na
Câmara e na Casa Civil, Toffoli aconselhava Dirceu?
Tudo indica que sim, mas o ministro entende que
não. Ele, inclusive, não se considerou impedido de julgar nem mesmo o
processo do mensalão, no qual votou pela absolvição de Dirceu. O que nos
leva a outra pergunta: a decisão sobre impedimento ou suspeição depende
exclusivamente do próprio juiz? Em teoria, não, mas, na prática, sim.
Levantamento do projeto “Supremo em Pauta”, da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que, nos últimos 30 anos, as
partes envolvidas num processo solicitaram cerca de 90 vezes a suspeição
ou impedimento de um juiz do STF – um número ínfimo comparado com os
mais de 120 mil processos julgados pelo STF apenas em 2017.
E, mesmo quando isso foi feito, não chegou-se as
vias de fato, ou seja, um presidente do STF nunca colocou em votação no
plenário a suspeição ou o impedimento de um colega. Por quê? Será que é
algum tipo de proteção mútua? Vale lembrar que Gilmar Mendes também não
se considerou impedido de julgar o habeas corpus para a libertação do
empresário de ônibus Jacob Barata, apesar de ter sido padrinho de
casamento da filha dele.
O professor Rubens Glezer, coordenador do
“Supremo em Pauta”, tem dúvidas se seria eficaz mudar a legislação.
Segundo ele, a lei sobre suspeição ou impedimento foi criada para
proteger o Judiciário, dando ao juiz a prerrogativa de se declarar
suspeito sempre que houvesse qualquer risco à imagem dos tribunais. Os
ministros do STF, no entanto, se comportam como se fosse uma questão de
foro íntimo em que bastasse o seu compromisso pessoal de integridade.
“Nestes casos, é necessário um mínimo de boa fé.
Não é um problema das instituições, mas dos atores”, diz Gleser. O
professor tem razão. Parece ser uma questão de (falta de) caráter.
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