Uma classe de medicamentos para asma tem preocupado
autoridades de saúde australianas. Ela estaria associada a episódios de
depressão e até pensamentos suicidas em crianças. Tratam-se dos remédios
à base de montelucaste de sódio, um composto comum utilizado para
tratamento de rinite, asma e dermatite atópica, principalmente em
crianças e adolescentes.
Segundo informações da rede australiana ABC,
a agência australiana responsável pela regulação de medicamentos,
dispositivos médicos, sangue e tecidos, (TGA, na sigla em inglês),
recebeu, entre 2000 e 2016, quase 90 relatos de efeitos colaterais
neuropsiquiátricos, dos quais oito estavam relacionados a pensamentos
suicidas e outros oito a depressão grave em crianças que tomavam algum
medicamento com esse princípio ativo.
A australiana Melanie (que
não quis revelar seu sobrenome), contou que Harrison, seu filho de 6
anos, teve um surto psicótico após começar o tratamento com o
medicamento. Segundo a mãe, o menino sempre foi amigável e afetuoso, mas
começou a ter ataques de raiva, chegando a derrubar móveis, ranger os
dentes e contorcer a face, após iniciar o tratamento.
“Eu estava
incrivelmente chocada quando percebi que uma pequena pastilha para
controlar os sintomas da asma poderia ser vinculado a tais sintomas
psicológicos graves.”, disse Melanie à ABC.
Segundo José
Carlos Perini, alergista e presidente da Associação Brasileira de
Alergia e Imunologia (Asbai), não há razão para desespero. Apesar do
risco ser real, esse tipo de efeito adverso é raríssimo. Os efeitos
colaterais mais comuns a esse medicamento são sonolência e dor de
cabeça. No entanto, é preciso estar ciente e, caso perceba-se uma
mudança de comportamento na criança, o ideal é buscar orientação
médica. “No Brasil não há relatos de casos tão graves”, disse Perini a
VEJA.
Para Joaquim Carlos Rodrigues, professor da Faculdade de
Medicina da USP (Fmusp) e pneumo-pediatra do Hospital Israelita Albert
Einstein, o alto número de prescrições do montelucaste de sódio por
pediatras é devido ao fato de o medicamento ser de fácil administração
em crianças. “O método mais eficiente contra a asma é a ‘bombinha’, mas
muitos pais têm aversão a ela, o que melhora a adesão ao montelucaste e
acaba aumentado o número de prescrições”, explicou a VEJA.
Um
levantamento realizado pela FDA, agência americana responsável pela
regulação de medicamentos e alimentos, identificou cerca de 15.000
efeitos adversos associados ao uso de montelucaste em crianças e
adolescentes. Destes, 10% estavam associados a problemas psiquiátricos.
Sendo os mais comuns insônia, irritabilidade, hiperatividade e
agressividade e outros mais graves como alucinações, depressão,
ansiedade e comportamento suicida, menos frequentes.
Vanessa
Sellick, australiana que também tem um filho chamado Harrison, conta que
a criança mudou de comportamento após começar o tratamento quando tinha
apenas dois anos de idade, e que os problemas se agravaram conforme ele
foi crescendo. “Ele tinha 4 anos quando começou a fazer comentários
sobre querer morrer, querer estar morto, dizendo que ele era um pedaço
de lixo – ele tinha uma terrível auto-aversão”, contou a mãe.
A
situação chegou a tal ponto que, um dia, ele tentou se suicidar. “Foi
apenas devastador no momento. Para mim não há dúvida que ele realmente
queria acabar com sua vida, ele queria acabar com a dor. Eu acho que ele
era apenas um rapaz pequeno em um terrível stress emocional.”, contou
Vanessa. Harrison tomou o montelucaste de sódio por três anos.
Embora
na época não tenha havido um diagnóstico, os médicos acreditam que tudo
isso tenha sido uma reação adversa à medicação. Segundo o
pediatra especializado em respiração Adam Jaffe, do Hospital Infantil de
Sydney, na Austrália, não há como saber quais pacientes apresentarão
esse tipo de reação à medicação.
“Alguns dos meus pacientes
reclamaram de pesadelos, mau humor, raiva ou tristeza e o grande desafio
para mim e para os pais era descobrir se isso era um efeito colateral
do remédio ou o comportamento da criança,” explicou à ABC, ressaltando que a maioria dos pacientes não apresente nenhum sintoma.
Anvisa
No Brasil, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
atualmente existem 24 medicamentos com o princípio ativo montelucaste
de sódio no Brasil. A bula desses medicamentos alerta para a
possibilidade de efeitos colaterais severos, como alterações de
comportamento e humor (agitação, inclusive comportamento agressivo ou
hostilidade, depressão, desorientação, distúrbio de atenção,
anormalidades no sonho, ansiedade, alucinações, insônia, irritabilidade,
perda de memória, inquietação, sonambulismo, pensamentos e
atos suicidas e tremor). Mesmo assim, as autoridades australianas
lançaram o alerta, frente ao relato das mães.
A
FDA (na sigla em inglês), agência americana responsável pela regulação
de alimentos e medicamentos, tem investigado a segurança do montelucaste
de sódio desde a morte de um menino de 15 anos, em 2008, segundo a ABC. Cody
Miller se suicidou 17 dias depois de começar a tomar o medicamento.
Depois disso, a FDA passou a exigir que os fabricantes alertassem na
bula sobre possíveis efeitos colaterais psiquiátricos do remédio.
Em
abril de 2013, a TGA publicou um artigo alertando profissionais de
saúde sobre esses riscos associados ao medicamento e a importância de
alertar pais e pacientes. Entretanto, tanto Vanessa quanto Melanie
afirmaram que não receberam nenhum tipo de aviso dos médicos.
Apesar
do que aconteceu com seus filhos, ambas ressaltam a eficácia do
medicamento no controle da asma e pedem que os pais não parem de dar o
remédio a seus filhos sem consultar um médico. Por outro lado, elas
clamam por avisos mais claros na bula desses medicamentos sobre a
existência de tais efeitos colaterais e também pela importância do
médico informar essa possibilidade aos pais.
O tratamento é indicado para casos de asma frequente, persistente ou induzida por exercício leve.
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