O senador Cristóvam Buarque, em junho.  
© Edilson Rodrigues O senador Cristóvam Buarque, em junho. 
 

 Ex-ministro de Luiz Inácio Lula da Silva, Cristovam Buarque (PPS-DF) já foi filiado ao PT. Defensor ferrenho da educação, é um nome aclamado na área e uma referência no espectro progressista. Desde que apoiou o afastamento temporário de Dilma Rousseff para que ela fosse investigada no Senado, no entanto, ele se tornou uma espécie de traidor para parte da esquerda. Em seu Twitter, é frequentemente chamado de "golpista". De 12 de maio para cá, Buarque flertou, ao menos publicamente, com a ideia de apoiar a presidenta. Era um dos senadores considerados indecisos e chegou a se encontrar com ela por quatro vezes para fazer propostas, que constariam em uma carta que ela divulgou, sugerindo convocar um plebiscito por novas eleições caso voltasse ao poder. Mas, nos últimos dias, ele bateu o martelo: quer Rousseff fora do Governo de vez.
Pergunta. Na sua opinião, houve, de fato, crime de responsabilidade?

Resposta. Sim, dois crimes. Há uma lei que proíbe o Governo de usar bancos estatais para financiar seus programas e o Governo usou, isso que se chamam pedaladas, recursos do Banco do Brasil para financiar os agricultores e demorou a pagar. Isso é um crime. E o outro crime, que é que a lei proíbe que um presidente assine decretos sem consultar e esperar a aprovação do Congresso. E ela fez.
P. Há uma guerra de interpretação jurídica?
R. É interpretação jurídica. Aí a gente opta por uma. Não é uma ciência exata.
P. Mas, em caso de dúvida, não vale o In dubio pro reo (em dúvida, a favor do réu)?
R. Não. Eu não estou mandando a presidenta Dilma para a prisão. Eu não mandaria. Aí seria in dubio pro reo. Mas aqui é in dubio pro Brasil. Eu estou em dúvida, mas para o Brasil eu acho melhor a substituição. No direito tem uma expressão in dubio pro societate [na dúvida, decida a favor da sociedade]. Por exemplo: se tem dúvida se um cara é ou não terrorista, prende.
P. A gestão Temer deve fazer cortes drásticos a partir de agora. O senhor, que é um defensor da educação, tem algum temor de que a área seja prejudicada?
R. Tenho temor. Temor de que não sejamos capazes de cortar em outro lugar para colocar na educação. Esse projeto do limite do teto [de gastos] é ótimo. Na soma, não se pode gastar mais do que no ano anterior mais a inflação. Mas na educação se pode gastar mais, caso se tire de algum lugar. Isso vai ser bom para o processo político. Vai obrigar a disputa por recursos. O Brasil se acostumou a botar mais nisso, mais naquilo... Põe dois ali, põe três aqui, mas só tem quatro. E como a gente resolvia? Com a inflação. Agora, para colocar três em um lugar, tem que deixar um em outro.
P. Então está confiante com o próximo Governo?
R. Estou assustado, estou preocupado. Eu não escolhi Temer. Eu não votei no Temer. Quem votou no Temer foram os 54 milhões que votaram na Dilma. Não estou animado, não.
P. Teme alguma consequência política em relação a sua decisão de apoiar o impeachment?
R. Em relação ao conjunto dos eleitores eu não sei, não faço pesquisa. Mas entre quem me acompanha mais proximamente, sim. Eles estão descontentes, revoltados comigo. Mas eu tinha que votar com a minha consciência.
P. Mas não tem medo de perder votos?
R. Temo. Muito. Eu acho que eu posso estar cometendo um suicídio político. Acontece. O Getúlio Vargas salvou o Brasil de um golpe, que só veio dez anos depois, dando um tiro no peito. Acho que o PSDB, esse pessoal e eu, estamos tentando salvar o Brasil dando um tiro no pé.
P. E dar um tiro no pé é a melhor solução?
R. Não tem cara que vai para a guerra pelo país? Que morre? Acho que politicamente, este momento, é um gesto pelo Brasil. Mas de altíssimo risco do ponto de vista político e pessoal. Eu não estou confiante que o Governo vai ser bom, mas eu tenho certeza que o da Dilma não seria bom. Seria pior. Ela não tem base de apoio aqui, como ela ia governar? Só se fosse ditadora. Eu estive quatro vezes com ela neste período e ela nunca disse como seria sua economia. Ela vai estar mais para gastar ou para não gastar?
P. Quatro vezes nesse período?
R. Sim, antes eu nunca tinha estado com ela. Tinha estado em almoço, com gente, muita gente. Para conversar, só agora. E eu acho que a Dilma estava querendo o impeachment. Para a biografia dela é melhor ela sair agora, como João Goulart saiu, do que em dois anos e meio como [Nicolás] Maduro vai sair na Venezuela. É melhor ela terminar a biografia dela como uma presidenta destituída do que como uma presidenta fracassada em dois anos e meio.
P. Foi dito nessas últimas semanas que o senhor teria, nestes encontros, feito pedidos a ela. E que eles constariam da carta que ela divulgou. O que o senhor pediu?
R. O plebiscito. A gente sugeriu. Mas é impossível fazer isso agora porque seria necessário um grande pacto nacional. Ela devia ter coordenado isso quando ela ainda era presidenta. Ter apoiado a gente. Mas o PT não quis. Como não quer agora. Acho que o PT quer o impeachment. Vai para a oposição, joga a culpa de todos os problemas no Temer e ainda fica com a bandeira do golpe, que está pegando. Mas não é golpe. Como é golpe? Se ela vem aqui falar com a gente? Se ela está no Palácio da Alvorada? Ninguém fala que no Collor foi golpe.
P. E o que seria esse pacto nacional?
R. Era preciso, primeiro, que ela e o Temer quisessem. Era preciso conversar com o Supremo, para o Supremo não dizer que era inconstitucional. Tem um artigo que diz que as eleições são a cada quatro anos e alguém pode alegar que isso é uma cláusula pétrea. E, finalmente, era preciso de dois terços de voto aqui, dois terços na Câmara.
P. Como ela estava nestes encontros?
R. Uma das boas coisas disso tudo foi o meu convívio com a Dilma. Eu passei a respeitá-la como mulher. É culta, sensível para as coisas da história, com uma ideia muito boa das relações internacionais. Eu saí com muito boa impressão dela como mulher. Mas eu não estou escolhendo ela para irmã, mas para presidente, é diferente.