domingo, 12 de março de 2017

"NA VENEZUELA NÃO HÁ COMIDA, NO BRASIL SIM": A FUGA DA FOME NA FRONTEIRA DO NORTE DO BRASIL




Indígenas venezuelanos no abrigo improvisado em Boa Vista. 
© Leonardo Costa Indígenas venezuelanos no abrigo improvisado em Boa Vista.

A socióloga e professora de estudos sobre fronteiras da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Francilene Rodrigues, explica que, historicamente, a Venezuela é um país que recebe imigrantes e não o contrário. Mas foi no início da gestão de Hugo Chávez (1999-2013) que o movimento imigratório também começou, primeiramente encabeçado pela classe média, que passou a deixar o país rumo aos Estados Unidos e à Espanha, principalmente. Depois, os mais pobres passaram a seguir o mesmo caminho. “Esse processo aumenta a partir de 2010”, diz. “O alto custo de vida na Venezuela, atrelado à queda no preço do petróleo causou um baque na economia de lá”.

Esse pequeno grupo de indígenas forma parte de um fluxo de imigrantes venezuelanos, que também é feito de não indígenas, que atravessam a fronteira em busca de alimentos, empregos e melhores condições de vida no Brasil. Muitos não querem mais voltar ao país de origem. A maioria chega pelo pequeno município de Pacaraima, com 16.000 habitantes, e depois seguem para a capital Boa Vista. Entre os indígenas, o movimento, na maioria dos casos, implica em ir para as cidades, receber doações, ganhar dinheiro com o artesanato e a mendicância, e depois voltar para sua comunidade. Já os não indígenas buscam se regularizar no Brasil, trabalhar e começar uma nova vida longe da escassez da Venezuela

Ambos os casos têm em comum a fuga da fome. “Na Venezuela, com um salário você consegue comer por apenas três dias”, disse Freiomar Viana, 41. “Se você tem família, como vai fazer para comer?”. Há um ano, ele trouxe a família de Caracas para o Brasil e hoje trabalha em uma lanchonete em Boa Vista.

Para María Pérez, indígena warao, a morte do ex-presidente Hugo Chávez, em 2013, foi um marco econômico. “Depois da morte de Chávez, acabou a comida e chegou a crise”, contou. “Não há nada para comprar, e quando há, é muito caro”. Segundo a professora Francilene Rodrigues, a maioria dos imigrantes venezuelanos é feita de jovens em idade produtiva, além dos indígenas, que chegam com as famílias inteiras. Os dois grupos fazem um movimento migratório que é, em sua essência, por uma distância pequena de onde vivem.

“Os venezuelanos têm um orgulho muito grande da sua nação”, diz. “O fato de estarem em um lugar muito próximo com a fronteira dá a eles a oportunidade de voltar para a Venezuela a qualquer momento”.

A fala da professora Marjorie González, 41, deixa claro esse orgulho venezuelano. 

“Estou a somente 24 horas do meu país”, disse. “Eu amo meu país. Mas, ainda assim, é melhor estar aqui no Brasil, porque tenho mais tranquilidade”. De Caracas, ela veio para Boa Vista depois que ladrões invadiram sua casa e levaram quase tudo. “Colocamos as mãos na cabeça e pensamos ‘o que vamos fazer agora?”, indagou. Veio com o marido e a filha, de seis anos, que, por não ter documentos ainda, está sem estudar. Ainda assim, não quer voltar tão cedo para a Venezuela. “A culpa por nosso país estar assim é nossa", afirmou. "Nós permitimos que fizessem o que quisessem com o nosso país. Os valores acabaram”.

Marjorie vende no Brasil roupas e perfumaria comprados na Venezuela. Está esperando a resposta do seu pedido de refúgio, que é uma forma de se estar regular no país. Esse pedido é válido para pessoas que sofrem perseguições políticas ou vivem situações de ameaças, mas, ao menos até o momento, a situação econômica de um país não se configura ameaça diante da lei brasileira. Portanto, não é possível saber se o pedido de Marjorie será aceito pelas autoridades brasileiras. Em 2014, nove venezuelanos fizeram o pedido de refúgio no Brasil. Em 2015, esse número subiu para 234. Já no ano passado, foram 2.230. Neste ano, até a última quarta-feira, esse número já chegava a 1.035.
 

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